Liverpool,
6 de julho de 1957.
Meu nome é Peter
Jones. Estudo arte dramática no Liverpool Institute. Tenho 22 anos.
Eu e alguns amigos
resolvemos nos juntar para produzir um jornalzinho da escola, dirigido aos
alunos, para exercitar nossa verve literária e ver o que estava acontecendo de
interessante na cinzenta Liverpool.
Minha primeira
missão: Fazer a cobertura da quermesse anual da igreja de São Pedro, em
Woolton. O tempo estava bom, e sendo um liverpooliano, já tinha me acostumado
ao verão quase frio dessas bandas do norte. Ao sair peguei um casaco, por
precaução.
Me sentei sozinho no
andar de cima do ônibus no caminho de ida, para organizar minhas ideias e
tentar tirar algo de realmente bom de uma festinha de bairro.
Chegando lá, em meio
a barraquinhas de comidas típicas, senhoras vendiam arranjos de flores e havia
umas moças bem bonitas, enfermeiras, arrecadando fundos para a reforma do
orfanato do Exército da Salvação, Strawberry Fields. Passei por ele no caminho
para a feira.
Fui logo procurando
algum programa ou cartaz da feira para ver quais seriam as atrações. Se é que
teria alguma! O que me chamou atenção no modesto cartaz pregado na parede da
igreja foi o nome 'The Quarry Men Skiffle
Group', além do cheiro de peixe frito com batatas que circundava o
ambiente. Afinal, já passara da hora do almoço e o estômago já tinha resolvido
me avisar disso.

Eu não era chegado
no skiffle, achava-o esquisitinho demais para o meu gosto e, para falar a
verdade, não entendo nem a metade das palavras que eles cantam em uma
velocidade quase que da luz.
Pois bem, me afastei
para comer o meu almoço, pois às duas em ponto havia começado a procissão.
Padre Mackenzie na frente, puxando a fila, declamava os sermões que ele havia
escrito provavelmente há muito tempo e que talvez ninguém os tivesse ouvido
antes.
Perto de mim, dois
moleques se acotovelavam apontando para o caminhão parado próximo à esquina,
ansiosos pelo show do tal grupo local de skiffle que começaria mais tarde. Me
aproximei deles para saber o por quê de tanta empolgação.
Um deles, mais
falante, se apresentou. "Meu nome é Ivan Vaughan", disse ele. E
completou: "Esse é meu amigo James". O tal do James tinha cara de
bebê... Talvez, não tivessem mais do que 12 ou 13 anos, apesar do Ivan ter dito
que ambos haviam recém completado 15 anos, já que ambos nasceram no mesmo dia.
Garotos legais aqueles!
Fui procurar um
banheiro para me aliviar e esperar para o tal show de skiffle que estava
prestes a começar. Então, de repente, olhei para o caminhão e, em cima da sua
carroceria, um grupo de jovens tentava se equilibrar enquanto ligavam os seus
equipamentos surrados, que pareciam de segunda mão.
No centro, um rapaz
jovem de topete alto, com camisa xadrez de mangas curtas, apertava os olhos e
fazia cara de mau olhando para a pequena multidão que se aglomerava na frente
do palco improvisado. Desconfiei que ele não estria enxergando mais do que um
metro à sua frente, por isso cerrava os olhos.
Então, começa o show. 'That's All Right (Mama)' do Elvis Presley. Nada mal! Superou minha primeira expectativa! Ora, não
seria um grupo de skiffle, afinal! A guitarra do jovem rocker, uma Zenith
fuleira, que parecia estar desafinada, desfilava riffs atrás de riffs. E, que
presença tinha o rapaz. Magnética! Parecia
que tinha nascido para aquilo. John Winston Lennon, era o nome dele, fiquei
sabendo mais tarde!
Depois de uma meia
hora de show, os garotos se despediram da molecada e se dirigiram para o
'camarim' nos fundos da igreja. Saí atrás deles para tentar alguma possível
entrevista com os heróis da quermesse.
Ao chegar junto
deles, notei que os dois moleques que eu havia conhecido antes também estavam
lá. Imaginei que queriam autógrafos. Então o tal do Ivan, disse para Lennon,
'ei, meu amigo também toca. Você não gostaria de ouvi-lo?"... Lennon, já
usando um par de óculos de lentes grossas e armação negra, no estilo Buddy
Holy, o fitou e disse, com ar de desprezo, "mostre-me o que você sabe, meu
jovem"!
E não é que o
moleque com cara de bebê já mandou "Twenty
Flight Rock" do Eddie Cochran. Ali, de cara, com a letra toda decorada
e com os arranjos perfeitos no violão para canhotos que ele trazia consigo!

Olhei no relógio, já passava das quatro, e me lembrei que tinha que pegar o ônibus de volta para casa, pois havia combinado de ver o derby Liverpool x Everton com os rapazes do instituto no pub perto da faculdade. Com pressa para ver os azuis esfolarem os malditos vermelhos, me despedi dizendo que tinha gostado muito do show e que me avisassem quando houvesse algum outro.
Já no pub, o Everton
tomando uma surra do Liverpool, fiquei pensando comigo mesmo, com a cerveja
latejando na minha cabeça: Deve sair algo realmente interessante dali, com
aqueles dois moleques! Convém não perdê-los de vista, anotei mais tarde no meu
diário.
Por Alysson de Almeida
Por Alysson de Almeida
Muito bom ter esse conteúdo por aqui, parabéns!
ResponderExcluirGostei demais!
Que ideia mais loka!! Jeitado demais! Parabéns!
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