Crônica 3 - "Você disse Hamburgo?"




Liverpool, 17 de abril de 1960

Domingo, quase duas da tarde eu, Rod Murray, e meu melhor amigo e companheiro de quarto, Stuart, saímos para encontrar um colega nosso do Liverpool College of Art, John Lennon, e os demais integrantes da sua autoproclamada ‘super banda’.
Stuart, há poucas semanas, havia sido convencido por Lennon e pelo outro rapaz da banda, um tal de McCartney, a investir o seu suado dinheiro, recebido pela venda de uma de suas pinturas na sua primeira exposição, na compra de um contrabaixo Höfner President, modelo 500/5, pois assim, segundo ele, teria seu lugar assegurado na 'maior banda de Liverpool'.


Stu Sutcliffe e sua arte
Eu achava aquilo um desperdício! Stuart era um pintor brilhante que começava a despontar no circuito das artes de Liverpool e jamais havia tocado uma nota sequer, em qualquer instrumento que fosse. Mas, segundo Lennon, a imagem do jovem Sutcliffe faria bem para o layout da banda. Vai entender...
Primeiro, passamos pelo Casbah Coffee Club, na 8 Hayman's Green, West Derby, de propriedade de Mona Best, mãe do baterista deles, Pete, para encontrar os rapazes. Depois de algumas doses de conhaque, rumamos para a 21 Slater Street, onde ficava ‘The Jac’, como chamávamos o Jacaranda, um clube fuleiro, cujo o dono Allan Williams, um sujeito baixinho e com sotaque escocês de voz fina e estridente, estava dando uma de empresário das bandas da cidade.
Os rapazes já eram assíduos frequentadores do Jacaranda. Enquanto eu, que já havia ido lá algumas vezes, achava que aquele ambiente não me agradava. Muitos bêbados, música alta e brigas constantes. Eu preferia os meus discos importados de Jazz norte-americano, que conseguia com os marinheiros no porto de Liverpool. Verdadeiras relíquias! Mas, a pedido do Stuart, deixei o Benny Goodman que eu iria ouvir naquela hora de lado para ir junto com ele naquela barca furada.

Williams nos recebeu muito bem, serviu algumas cervejas para todos e começou a falar sem parar,
Allan Williams (primeiro empresário dos Beatles)
dizendo que ele poderia arrumar alguns shows aqui e acolá para a banda e coisa e tal. Lennon, McCartney e o outro guitarrista, George, pareciam deslumbrados com aquela possível maratona de shows. Pete, o baterista, parecia estar em outro lugar. Quieto, na dele. Acho que fazia parte do seu charme. Stuart, fazia tipo, com o cigarro apagado no canto da boca, fingindo prestar atenção no que aquele senhorzinho falava, olhando-o por cima dos seus óculos escuros pretos.
O primeiro 'show' agendado, se é que poderia ser chamado de show, seria fazer o acompanhamento musical da performance de Dança Cigana do Fogo, da stripper Janice, ali mesmo no Jac. Mesmo que ninguém estivesse familiarizado com tal extravagância, todo mundo ficou empolgado, inclusive eu. Afinal, eu poderia assistir a um show de striptease de graça, quando quisesse! Maravilha!

Mas, Williams não parou por aí e disse que tinha contatos na Alemanha e que poderia mandar a banda para tocar em Hamburgo. Aí, foi então que todos enlouqueceram por dois motivos: primeiro, por já terem a chance de fazer uma 'turnê internacional'. Segundo, por George ainda ser menor de idade e, por conta disso, as autoridades alemãs não os deixariam tirar o visto de trabalho por lá.
E agora? "Que se dane", disse Lennon. "Vamos assim mesmo", emendou Stuart. E eu fiquei
Tela de Stu produzida entre 1961-62 (sem título)
pensando comigo: 'E as namoradas desses caras? O que elas achariam disso tudo?'. John Lennon há tempos namorava uma loirinha chamada Cynthia, eu acho. E, me parecia que ele não estava dando a menor bola para esse fato.
Depois, voltando para casa, Stuart me dizia que Quarrymen era um nome muito fraco para a banda e que ele estava pensado em algo que soasse mais asqueroso, tipo um inseto, como os Crickets (grilos) do Buddy Holy, mas que ainda não tinha conseguido pensar em nada tão impactante.

Chegando em casa, já fui logo colocando o rei do swing na vitrola para tocar. O disco ‘In Stockholm 1959’, que eu havia conseguido nessa semana. Let's Dance, que abria o disco, iluminou o nosso quarto, enquanto Stuart, se achando o próximo Elvis Presley, pincelava de vermelho uma tela gigante no canto oposto à cama dele, enquanto chacoalhava seus quadris, trajado apenas de sobretudo preto, coturnos de couro e óculos escuros.

Era só o que me faltava... Um astro do Rock em minha própria casa!

por Alysson Almeida


Contexto histórico: Stu Sutcliffe se tornou amigo de John na Escola de Artes de Liverpool. Ele era um entusiasta dos “Quarrymen”, quando ninguém mais parecia interessado. Talentoso nas artes plásticas, ao ganhar um prêmio de 60 libras em uma exposição em Merseyside, John o convenceu a comprar um baixo e entrar para a banda, mesmo sem saber tocar nenhuma nota do instrumento.
Jacaranda foi o clube onde os Beatles, ainda como Silver Beetles fizeram seus primeiros shows. Allan Richard Williams era o dono do bar e se tornou o primeiro empresário da banda. Ele pessoalmente dirigiu a van para leva-los para Hamburgo, na Alemanha, em 1960. Lennon, McCartney, Harrison e Sutcliffe se tornaram "The Beatles" no início de 1960. Em agosto daquele ano, partiram para uma turnê de 48 noites em Hamburgo, na Alemanha Ocidental e convidaram o baterista Pete Best para se juntar ao grupo. Após a primeira turnê na Alemanha, a banda retornaria ainda mais duas vezes para Hamburgo, em abril de 1961 e abril de 1962 e foi lá onde ganharam experiência vital e começaram a lapidar o estilo e presença que os levariam ao topo das paradas em 1963. Mas até lá ainda tem muita história! (por Leko Soares) 


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