Hamburgo,
22 de junho de 1961.
Acordo
muito cedo todos os dias, por volta das cinco da manhã! Desde que vim de
Liverpool para tentar ganhar a vida na Alemanha, trabalho como estivador na
"Porta para o Mundo", que é como os alemães chamam o porto de
Hamburgo por aqui.
Trabalho o dia
todo e tento dormir um pouquinho depois do final do expediente até o começo da
noite pois, por volta das sete horas, arrumei um bico de motorista para um cara
que tem uma banda de rock por aqui. Ele é inglês, de Norwich, que fica há umas
100 milhas ao nordeste de Londres, mas tinha vindo de Liverpool, como eu. Tony
Sheridan é o nome dele.
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Tony Sheridan |
Meu segundo ‘trabalho’ consiste em carregar o meu carro com os
equipamentos e levar o astro inglês de clube em clube para shows, durante a
madrugada inteira. Mas, ontem, Tony me perguntou: "Hey Jules, teria como você me levar amanhã à tarde para o estúdio do Bert
Kaempfert? Preciso ir até lá para gravar um compacto para a gravadora Polydor.
Será minha grande chance!"
Eu
não tinha como dizer não para Tony, ainda mais ele se oferecendo para me
compensar pelo dia perdido no porto. “Feito!” Confirmamos para depois do
almoço. Ele me avisou que eu teria que buscar não ele mas a sua banda de apoio,
num quartinho nos fundos do clube Kaiserkeller, do Bruno Koschmider,
que fica no Reeperbahn.
O Reeperbahn é
o bairro boêmio de Hamburgo. Clubes de strip-tease se amontoam ao lado de
cassinos clandestinos e de casas com música ao vivo. Bebedeira, brigas,
promiscuidade e estimulantes ilegais. Esse é o Reeperbahn.
Várias
bandas inglesas têm vindo para cá e algumas estão se dando bem. Conseguindo
alguma fama, até certo ponto.
Cheguei
para buscar a banda, por volta da hora do almoço. Bati várias vezes na porta do
moquifo que eles, por assim dizer, habitavam. Ninguém abriu. Então, dei a volta
e consegui jogar algumas pedras pela pequena janela basculante que estava
entreaberta.
De repente, Pete Best aponta a cara mau humorada dele pelo vão da janela: "Que diabos você quer?" esbravejou ele!
"Pete!" gritei empolgado. Eu já o conhecia de Liverpool, do clube da mãe dele, o Casbah. "Vim buscar vocês a pedido do Sheridan", completei. Ele desapareceu e depois de uns 10 minutos já estavam todos de roupa trocada, topetes penteados e prontos para ir.
De repente, Pete Best aponta a cara mau humorada dele pelo vão da janela: "Que diabos você quer?" esbravejou ele!
"Pete!" gritei empolgado. Eu já o conhecia de Liverpool, do clube da mãe dele, o Casbah. "Vim buscar vocês a pedido do Sheridan", completei. Ele desapareceu e depois de uns 10 minutos já estavam todos de roupa trocada, topetes penteados e prontos para ir.
"Jules,
achamos que era a polícia", disse Pete. "George não tinha
idade para tocar aqui na Alemanha e temos nos escondido quando não estamos no
palco, enquanto não ficam prontos os seus papéis, com medo da deportação de
novo!", explicou ele.
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Stu e Astrid |
A
banda, os Beatles... todos eram conhecidos meus de Liverpool. John Lennon, Paul
McCartney, George Harrison e Pete Best... Faltava
o Stuart. "E o Stu?", perguntou John. "Dormiu na casa
da Astrid, de novo", respondeu George. "Deixemos ele pra lá",
emendou Paul.
Colocamos
os instrumentos no carro, menos a bateria do Pete, e rumamos para o estúdio.
Todos
estavam ligados... Pareciam não ter dormido. Talvez pelo do efeito do Preludin.
Muitos músicos se entupiam dessas pílulas de Fenmetrazina para
aguentar a tour de force dos shows pela madrugada inteira.
Ficavam parecendo zumbis!
Chegamos no estúdio, Tony já nos esperava na porta. Parecia
um clone do Gene Vincent, com roupas de couro e topete cheio de
gomalina. Bert Kaempfert era o oposto disso:
elegante, bem vestido, comedido com as palavras. Ele já era um compositor e
arranjador famoso. Circulava com a nata da música clássica e o pessoal do jazz.
Só figurão!
O
arranjo dele para ‘Wooden Heart’, do filme ‘G.I. Blues’ do
Elvis, era o hit mais recente do rei do rock. Enquanto isso, os rapazes estavam
maravilhados por entrarem em um estúdio pela primeira vez.
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Beatles e Tony no Top Ten em Hamburgo |
Já
acertado que Lennon, McCartney e Harrison fariam os vocais de apoio, além da
parte rítmica junto com Tony e Pete, todos se debruçaram sobre um enorme
piano Steinway & Sons para decorar o arranjo que Tony
havia feito para ‘My Bonnie Lies Over the Ocean’, canção tradicional
escocesa que todos nós já havíamos cantado inúmeras vezes nos tempos da escola
primária. Pete batucava com as mãos no joelho para acertar o tempo da música.
Achei
meio boba a escolha... Mas, com todos juntos, ficou um rock and roll pulsante.
Impossível ficar parado!

Amanhã
terei que trazê-los de novo, para completar a música e gravar o lado B do
compacto, ‘The Saints’, uma versão mais animada do hino gospel ‘When
The Saints Go Marching In’, também rearranjada por Tony.
Não
sei se voltarei para o trabalho no porto. O bico de motorista me parece bem
mais promissor! "Oh bring back my Bonnie to me"... cantarolei o dia
todo!
My Bonnie em versão do Anthology 1
Por
Alysson de Almeida
Contexto
histórico: A segunda tour dos Beatles em
Hamburgo começou em abril de 1961. Nesse período, se tornaram residente da Top
Tem Cub, tocando todas as noites de sete às duas da manhã, exceto aos sábados,
quando tocariam até as três.
É
nessa viagem que, influenciados pelo corte feito por Astrid em Stu, eles
adotaram o penteado que se tornaria marca registrada nos primeiros anos da
Beatlemania. Também é durante essa viagem que Stu deixa a banda para se dedicar
às artes plásticas, se matriculando na Escola de Artes de Hamburgo. E assim,
com a formação John, Paul, George + Pete Best na bateria, os Beatles gravaram
seu primeiro disco, como banda de apoio de Tony Sherididan. Nos registros, como
banda de apoio foram chamados de The Beat Boys.
O álbum alemão de 1962 de Tony Sheridan e The Beat Brothers
chamado My Bonnie seria lançado outras vezes. Nas edições britânicas seria
relançado em 1964, 1967 e 2004 lançado como “The Beatles 'First”.
Confira abaixo o tracklist:
Lado A
4. "My Bonnie"
(traditional) – 2:06
Lado B
8. "The Saints"
(traditional) – 3:19
10. "Why" (Compton/Sheridan) – 2:55
por Leko Soares
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