Liverpool, 09 de Dezembro de 1962.
Domingo, dia mundial da
preguiça! E cá estou eu bem no meio da enorme fila que se forma a partir da
porta entrada do Cavern Club para ver os Beatles tocarem. Afinal, de uns tempos
pra cá, assistir os Beatles tocarem no Cavern é o principal programa dos jovens
de Liverpool.
O senhor Epstein vinha de uma
família muito rica e tradicional de Liverpool, dona da NEMS, abreviatura para North End Music Stores, uma enorme loja
de departamentos que vendia de tudo, inclusive discos de música.
Reza a lenda que o Sr.
Epstein ficou maravilhado com a performance e o humor dos Beatles no palco do
Cavern na primeira vez que os viu e assinou um contrato de agenciamento com eles
em janeiro desse ano, na sala de estar da casa do Pete Best, o antigo baterista
deles.
Então era um evento imenso
ter alguém da alta sociedade nesse moquifo que é o Carvern Club. Por isso não apaguei
da minha memória.
Depois de meia hora na
fila, resolvi importunar Harold, o porteiro do Cavern, para ver se o
aniversariante do dia teria algum privilégio. Harold era imenso e com cara de
poucos amigos e, provavelmente já estava no ponto de me bater quando abriu um
sorrisão e disse: 'Boa tarde, Sr. Epstein! O senhor pode entrar por aqui!',
enquanto tirava a cordinha vermelha da porta para a passagem de Brian Epstein e
de um outro senhor que o acompanhava. E, nesse momento, vi que minha sorte
havia chegado e, com uma piscadela de canto de olho para Harold, entrei junto
com os dois distintos cavalheiros no interior subterrâneo daquela antiga adega
que havia se transformado e bar em 1957. Harold, sem graça, não teve como me impedir.
O amigo do senhor Epstein
olhava desconfiado para as paredes mofadas do Cavern. Pareciam ser de uma
masmorra medieval. Eu fiquei por ali, em torno deles, como se fizesse parte da
comitiva da realeza.
Com a banda já tocando, a
fumaça de cigarro tomando conta do ambiente, as meninas gritando na frente do
palco, chega um garçom com uma bandeja cheia de canecas de cerveja. O senhor
Epstein virou-se e pegou uma delas e tornou a se virar para o palco. O sujeito
que o acompanhava, talvez por notar que eu salivava de vontade, olhou para mim
e disse: 'Sirva-se, meu jovem', com um olhar fraternal. Nesse momento eu me
senti como parte da turma! Ha ha ha.
Depois de algumas músicas,
no meio do barulho ensurdecedor, o senhor Epstein vira para o colega e pergunta:
'O que você está achando, George?'. O tal George, olhado para a banda,
responde: 'Não sei, Brian. A banda é boa, mas não estou gostando do baterista!'
Naquele momento, senti que
o destino do Ringo estava selado... Coitado! Ringo Starr, dos Hurricanes, vinha
tocando com eles há vários meses e, para mim, tocava muito mais do que seu
antecessor, Pete Best. Mas, as meninas ainda não estavam curtindo a
substituição do baterista galã.
'Some other guy now, has taken my love away from me,
oh now...', cantaram John e Paul enquanto
o senhor George acenou com a cabeça como se tivesse gostado da música.
Quase no final da
apresentação, Harold chega e diz ao amigo do senhor Epstein: ‘Sr. Martin, um carro está à sua espera lá
fora’. Então, ele se despediu do senhor Epstein que o seguiu escada acima
até à porta de saída do Cavern.
Quando eles saíram, notei
que o senhor Epstein tinha deixado em cima da mesa, junto com o dinheiro para
pagar as cervejas, um cartão de visitas. Peguei o cartão e li 'George Martin - Parlophone Records -
Produtor'. Minha nossa! Os caras iriam gravar um disco! Que sensacional!
Com o dinheiro deixado
ainda tomei mais duas rodadas de cerveja! E, a cada pint que eu entornava, eu ficava
cada vez mais sem saber se contava ou não para os caras da banda o que eu havia
testemunhado. Resolvi não contar e deixar o destino tomar o seu próprio rumo.
Curti o resto da apresentação e fiquei para ver as outras bandas naquela tarde.

Gerry Matthews,
frequentador do Cavern, fã dos Beatles e testemunha da história (eu acho).
Por Alysson de Almeida
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