‘All Things Must Pass’ - A estreia de George Harrison faz 50 anos e os presenteados sempre fomos nós!





por Alysson de Almeida

1970 foi um ano desesperador para todo e qualquer beatlemaníaco no mundo inteiro! Em abril, Paul McCartney anunciou sua saída da banda. John Lennon já estava afim de cantar que o sonho tinha acabado faz tempo e passava mais tempo na cama com Yoko Ono do que tratando dos assuntos dos FabFour e, Ringo... Bem, Ringo levava a vida do jeito Ringo de ser, no melhor estilo Zeca Pagodinho, deixando que a vida o levasse...

Já era novembro. McCartney já havia lançado sua estreia homônima, Lennon já se rasgava em público, e em disco, com a sua Plastic Ono Band e até Ringo já tinha lançado sua carreira solo relendo grandes standards do cancioneiro norte-americano. Mas, e George Harrison? 


Vindo de duas ‘aventuras’ solo experimentais, Wonderwall Music e Electronic Sound, respectivamente de 1968 e 1969, George mantinha sua fama de ‘quiet beatle’ e não se ouvia falar nada sobre ele há algum tempo.

Relegado a uma ou duas músicas em cada lançamento de sua então ex-banda, George havia amadurecido como compositor nos últimos anos e, provavelmente, tinha em seu poder um caminhão cheio de composições que teriam sido preteridas pelo selo Lennon & McCartney de qualidade ou que simplesmente não haviam sidos dadas à luz por ele... Ainda! 

Voltemos até maio de 1970... George, junto com um esquadrão de amigos músicos, entra nos estúdios de Abbey Road para gravar o que se tornaria, talvez, o melhor disco solo dos quatro Beatles daquele período. Convocado para capitanear a mesa de gravações, o excêntrico Phil Spector já havia se tornado amigo e habituée na vida dos Beatles desde a produção das turbulentas sessões do projeto Get Back, que acabou se tornando o disco Let it Be, o canto dos cisnes do quarteto de Liverpool. Spector também havia brilhantemente produzido o single de sucesso Instant Karma!, de John Lennon, lançado em fevereiro daquele ano.

Falando no esquadrão... O amigo Eric Clapton ficou encarregado das guitarras e acabou conhecendo Bobby Whitlock (teclados), Carl Radle (baixo) e Jim Gordon (bateria) durante as gravações. O quarteto acabaria sendo a base do projeto Derek and the Dominos, que lançaria também em novembro de 1970 o disco Layla and Other Assorted Love Songs, uma ode a Pattie Boyd, então esposa de George. Mas essa é uma outra história...

Completavam esse timaço de músicos o parceiro dos tempos de Hamburgo, e autor da capa de Revolver, Klaus Voorman no baixo, Alan White, baterista da Plastic Ono Band e futuro Yes; o amigão Ringo Starr, também nas baquetas; Gary Whright, do Spooky Tooth, nos teclados; Bobby Keys, saxofonista dos Rolling Stones; Billy Preston, dos tempos de Let it Be, no Hammond B3; Dave Mason, do Traffic e, também do Derek and the Dominos, e Peter Frampton, então no Humble Pie, nas guitarras; Pete Ham, dos afilhados Badfinger, nos violões; Gary Brooker, do Procol Harum e Tony Ashton nos pianos; e Ginger Baker e Phil Collins nas percussões, dentre vários outros.


Mas, o que esse monte de gente gravou em um disco só? Na verdade, eram três discos! Isso mesmo! Já na estreia, George lançou um disco triplo: All Things Must Pass.

Além do clima Swing London das gravações, o disco trazia as composições mais maduras, porém acessíveis, de George Harrison de todos os tempos. Reflexões da vida, da separação dos Beatles, do casamento que já andava mais pra lá do que pra cá, do expurgo das picuinhas dos ex-companheiros, e coisas do dia a dia do ‘adulto’ George pontuaram os grandes momentos do disco. Mas, além de tudo, as letras falavam de amor, fé, espiritualidade e perseverança. Comparados aos recém lançados discos de Lennon e McCartney, All Things Must Pass é o mais otimista dos três, mesmo que de forma branda, quase desacelerada e sob a famosa Wall of Sound de Phil Spector.

Puxado pelo single ‘My Sweet Lord’, All Things Must Pass emplacou o topo das paradas nos dois lados do atlântico. Grandes canções como ‘Isn't It a Pity’, ‘Wah-Wah’ (uma leve cutucada nos Beatles), ‘What Is Life’, ‘Awaiting on You All’, ‘Ballad of Sir Frankie Crisp (Let It Roll)’ e a faixa título são os pontos altos do disco que ainda teve uma homenagem às garotas que faziam plantão na porta dos estúdios em Abbey Road (Apple Scruffs) e um cover de Bob Dylan (If Not for You), que anos mais tarde seria parceiro de George no supergrupo Travelling Wilburys.

Tanto na época do seu lançamento, em 27 de novembro de 1970, como ainda hoje, All Thing Must Pass, simboliza George Harrison dando vazão a tudo que ele queria e poderia ter sido nos Beatles mas que, por ele próprio ou pelos outros, havia sido reprimido. 

São dois discos recheados de pérolas que brindam o ouvinte com o fino da produção musical dos anos 70 em 18 músicas atemporais que, bem como já sabemos, já haviam aparecido em um ou outro bootleg dos FabFour. Inclusive as versões embrionárias de algumas delas apareceram nos discos do projeto Anthology dos Beatles, lançado em 1995. 

A obra-prima se encerra de forma sublime e espiritual com ‘Hear Me Lord’, uma prece e um pedido de perdão ao criador em forma de canção pelos anos, pelos excessos desses anos e pelos desejos e tentações que estiveram pelo caminho. Enfim, a redenção. Enfim, a libertação!

O terceiro disco, é basicamente composto por jams sessions dessa galera nos estúdios e por experimentalismos recorrentes na obra pré e posterior de Harrison.

Nas reedições remasterizadas em CD, a partir do ano 2000, a nova versão de ‘My Sweet Lord’, contou com os violões do filhote Dhani Harrison.

Contrariando o bordão All Things Must Pass (tudo deve passar), a estreia de George Harrison ainda se faz presente, contundente e especial mesmo após passados 50 anos da sua chegada aos nossos ouvidos. Um disco obrigatório para todo mundo que aprecia a boa (excelente) música e, principalmente, para os fãs dos Beatles e de George Harrison. 


Não é uma pena? Não é uma vergonha?

Como partimos os corações e causamos dor uns aos outros?

(Isn’t a Pitty - George Harrison - 1970)





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