Por Paul DuNoyer(*)
John tinha até conseguido três singles de sucesso: ‘Give
Peace A Chance’, ‘Cold Turkey’ e ‘Instant Karma! (We All Shine On)'. Tudo foi
feito com quase nenhum ex-companheiro da antiga banda à vista.
Condicionados pelo poderoso impacto de cada lançamento
sucessivo dos Beatles, os fãs ainda esperavam grandes coisas dos quatro. Nem
mesmo Let It Be, aquele final ligeiramente desanimador, poderia diminuir a
expectativa. E Lennon estava pronto para o desafio. Se as pessoas estavam
esperando tábuas de pedra da montanha, bem, ele certamente tentaria.
Por mais libertadores que tenham sido aqueles álbuns
experimentais com Yoko, ele ainda era uma estrela do rock que via seu legítimo
lar no topo das paradas de vendas. O novo álbum, John Lennon / Plastic Ono
Band, era para ser uma declaração poderosa e um evento mainstream.
Como se não quisesse se livrar totalmente do escudo protetor
de uma identidade de grupo, John colocou "Plastic Ono Band" no título
de seu álbum - mesmo que fossem mais um conceito do que uma formação fixa. A
arte da capa, no entanto, mostra apenas dois indivíduos: ele e Yoko, mergulhados
na paz da floresta, exibindo os penteados curtos que eles adotaram
simbolicamente nas últimas horas dos anos 1960. A própria Yoko lançou um álbum
complementar, com embalagem semelhante, como Yoko Ono / Plastic Ono Band. Na
prática, eles pensavam que eram discos sem título. John se referiu a ele pela
música de abertura ‘Mother’, e Yoko por sua faixa correspondente ‘Why’.
Seja como for, no álbum John é um dos artistas mais ousados
da história do rock. Como os outros Beatles, como Bob Dylan e Jimi Hendrix, ele
pertencia a uma corte que não via nenhuma desconexão entre aventura artística e
ambição comercial. Ele havia acabado de passar sete anos criando os maiores
sucessos pop de todos os tempos, geralmente com sons extremamente inovadores.
Desta vez, sua bravata foi mais confessional do que sonora. Embora mais simples
na sua execução, o efeito de John Lennon / Plastic Ono Band ainda é de cair o
queixo tal qual, digamos, "A Day in the Life" ou "Strawberry
Fields Forever".
No entanto, a abordagem de John para este álbum
revolucionário foi quase conservadora. Além de sua amada Yoko, ele escolheu
para seu time o confiável baterista Ringo Starr, e no baixo um velho camarada
dos tempos longínquos de Hamburgo, Klaus Voormann. Outro amigo de longa data,
Billy Preston, acrescentaria piano, como havia feito em ‘Get Back’. E por toda
parte estava a familiaridade dos estúdios da EMI em Abbey Road, em Londres.
Até mesmo a escolha de Phil Spector como co-produtor foi um
desenvolvimento orgânico dos últimos dias dos The Beatles - o americano tinha
vindo para a Inglaterra no início de 1970 para a conclusão polêmica das fitas
Let It Be e ficou por perto para ajudar com a potência de John no single
'Instant Karma! (We All Shine On)'.
‘Phil Spector veio muito mais tarde, na verdade’, explicou
Yoko Ono. "Fizemos a maior parte por conta própria. Se ele, Phil, tivesse
feito isso desde o início, tenho certeza que teria sido um álbum totalmente
diferente, exuberante, com a famosa Wall of Sound dele. John Lennon / Plastic
Ono Band é uma amostra da alma de John.'
Entretanto, nada sobre a vida caótica dos Lennons naquele ano
deixava tempo para cursos de lazer de autodescoberta, e suas sessões com o Dr.
Janov (na Califórnia e na Inglaterra) foram breves. Felizmente, John estava
suficientemente energizado para derramar seus pensamentos na música.
Considere sua posição. A criança, diz um velho aforismo, é o
pai do homem, e a capa traseira do disco carregaria uma foto granulada daquele
estudante perdido de Liverpool. Em 1970, o órfão de 29 anos (pois considerava
seu pai como "morto" para ele como Julia, sua mãe) estava naquele
momento sem âncora em qualquer credo político ou espiritual. E ele tinha acabado
de sair da maior banda da história. Era chegado o momento de fazer um
reconhecimento purgativo de sua própria alma.
‘Mother’, com seu sino fúnebre, abre o álbum com uma nota de
introspecção solene, construindo um clímax de abandono autenticamente
"Primal Scream". No final do disco, a coda áspera "My Mummy’s
Dead" soa como uma transmissão fantasmagórica do quarto de adolescente dos
anos 1950 na Menlove Avenue; podemos visitar aquela sala hoje e ver, como diz
Yoko, que ‘o quarto de sua infância era tão pequeno, mas que grande sonho ele
deve ter contido’.
O álbum mostra canções da intimidade mais simples e da visão
mais grandiosa. Se ‘Working Class Hero' está muito impregnada de ambiguidades
honestas para se tornar o hino populista que John esperava, então 'God' é talvez
a declaração mais clara que ele já fez em uma canção - uma abdicação majestosa
do posto de falso profeta que ele nunca havia buscado.
No lançamento, John Lennon / Plastic Ono Band confundiu a
todos. Não havia melodias de rádio convidativas, nem singles de sucesso ou
cantores coletivos. Alguns ouvintes perceberam que Lennon fez o registro mais
poderoso de sua vida, mas isso desafiava você a se envolver em um nível
superficial. Nada mudou. Essas são canções que pedem nosso envolvimento total -
e elas o recompensam profundamente. Se certos sonhos acabassem, novos sonhos
surgiriam. Eles podem até se tornar realidade, se apenas tivéssemos o poder de
... Bem, o poder de imaginar. A carreira de John Lennon estava prestes a entrar
em seu extraordinário segundo ato ...
(*) Texto incluído em 2010
Lennon 70 Definitive Remaster de John Lennon / Plastic Ono Band da EMI.
Traduzido por Alysson de
Almeida
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