Crônica 11 - "Caótico, catártico, explosivo" Os Beatles conquistam a América

Nova York, 10 de fevereiro de 1964.

Haviam se passado somente 77 dias daquele fatídico 22 de novembro de 1963, em que o presidente John Kennedy tinha sido assassinado em Dallas. O clima de luto nacional se estendia absurdamente de forma dolorosa. A morte de Kennedy não só pôs fim ao mandatado do presidente, mas também na esperança de bons ventos que toda a juventude havia depositado naquela eleição. O país e os jovens americanos precisavam de uma injeção de ânimo o quanto antes.


Essa injeção veio há três dias, quando os Beatles, grupo britânico que é a coqueluche do momento entre a molecada, desembarcou no aeroporto JFK de Nova York. Eles foram recebidos por hordas de repórteres e fãs gritando. Informações da equipe diziam que eles acharam que alguma outra celebridade local estaria chegando com eles no mesmo voo, tamanha a recepção.

Os Beatles passariam os próximos dois dias confinados no The Plaza Hotel, enquanto fãs se passando por hóspedes do hotel tentavam entrar furtivamente e ter um vislumbre da banda. Um verdadeiro caos! O primeiro compromisso oficial dos quatro rapazes de Liverpool seria uma apresentação no tradicional programa de auditório ‘The Ed Sullivan Show’, da rede de televisão CBS.

A CBS foi inundada com pedidos de ingressos. Na verdade, Ed teve que anunciar durante o show da semana passada: “Coincidentemente, se alguém tiver um ingresso para os Beatles no nosso show no próximo domingo, posso pegá-lo emprestado? Precisamos muito disso".

Os Beatles chegaram aos estúdios da CBS acompanhados de seu entourage composto pelo seu empresário, Brian Epstein, e de mais dois ou três 'secretários'. Muito simpáticos, os garotos atenderam todos de forma atenciosa nos corredores do estúdio de gravação.

Ed Sullivan, que havia visto os Beatles em uma cena de confusão no aeroporto de Heathrow, Londres, em outubro passado e teria perguntado à época “afinal quem são esses tais de Beatles?”, recebeu os garotos usando uma das famosas ‘perucas Beatle’, que já vendiam aos milhares nas ruas e lojas de Nova York.

A mim, coube cobrir o evento e 'tomar conta' do conjunto inglês e de sua equipe. Eles não pareciam acreditar no frenesi por onde passavam, mas me deixaram muito à vontade com seu humor peculiar, tipicamente britânico. Eu só pensava: 'Minhas filhas e outras milhões de jovens matariam para estar aqui, no meu lugar'!

O Ed Sullivan Show é gravado nos estúdios da CBS em Nova York. O estúdio tem uma capacidade para 703 pessoas sentadas. Os escritórios da CBS receberam mais de 50.000 pedidos de ingressos. O público quase não conseguia se conter nos seus assentos... Coitados, fazia quase três horas que eles estavam ali!

De vez em quando, um dos assistentes da direção do programa pedia ao microfone para que a plateia evitasse gritos e manifestações mais ousadas na hora da apresentação para que o áudio fosse captado de forma eficaz pelo sistema do estúdio e fosse transmitido fielmente para os lares na terra do Tio Sam. Até parece...


No início do show de ontem, Sullivan leu um telegrama de congratulações de Elvis Presley aos garotos de Liverpool. O Rei do Rock saúda os seus sucessores! A plateia foi ao delírio!

Então, exatamente às 8 horas de 9 de fevereiro de 1964, Ed Sullivan adentrou o palco e soltou a frase: “Ladies and gentlemen… the Beatles!” Os gritos e aplausos da audiência abafaram as palavras do velho Ed. No estúdio, estavam 728 pessoas, em casa eram 73 milhões, conforme foi informado. Um recorde de audiência.

Os primeiros acordes de “All My Loving” levaram a plateia ao delírio enquanto as câmeras focalizavam os rostos dos quatro rapazes exibindo a legenda com seus respectivos nomes. Curioso foi que quando focalizaram John Lennon a legenda também trouxe a frase 'desculpem meninas, ele é casado!', que certamente destroçou milhares de jovens corações nas casas norte-americanas.

Durante a apresentação pude notar, debaixo daquela gritaria toda, que vários membros da equipe do estúdio utilizavam tampões ou bolotas de algodão nos ouvidos... Eles já esperavam pela hecatombe! Afinal, 'I Want To Hold Your Hand', último single da banda, estava explodindo em primeiro lugar em todas as listas de paradas de sucesso da América, puxando consigo os singles mais antigos a tiracolo nos primeiros lugares das listas.

Desde o surgimento de Elvis Presley há quase dez anos, o país não vivia uma situação desse tipo. Seguiram-se “Till There Was You” e “She Loves You”. Na primeira, Paul McCartney, o baixista do grupo, derretia a ala feminina da plateia com a sua interpretação romântica. Na segunda o 'Yeah, Yeah, Yeah' da introdução quase não foi ouvido pela bagunça de gritos. A apresentação dos Beatles sofreu uma pausa, e o programa seguiu, exibindo outras atrações.

Mais tarde, a banda voltou ao palco para realizar a última parte de sua aparição. Enquanto o Fab Four, como estão sendo chamados pela imprensa, se apresentava, a televisão exibia moças na plateia gritando e pulando.

De volta ao palco, a banda fechou a sua participação no The Ed Sullivan Show com “I Saw Her Standing There”, do primeiro disco deles, e “I Want To Hold Your Hand”, que foi a coisa mais espantosa que eu já havia presenciado na minha vida: uma mistura de gritos, choros e expressões fanáticas nos rostos de todos... Um verdadeiro êxtase!

Assistindo o noticiário de hoje, enquanto escrevo esse release, notícias dão conta de que não houve registro de nenhum crime sequer na cidade de Nova York durante a apresentação. Até os criminosos pararam suas 'atividades' para ver os Beatles!

Beatles em sua estreia no Ed Sullivan (1964)

Caótico, catártico, explosivo... Histórico! Muito obrigado, rapazes... Apareçam mais vezes!

Moe Robinson, assessor de impressa - Rede CBS.

por Alysson Almeida 

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