Estamos de volta com nossa série especial onde comento sobre aquela que eu considero a biblioteca básica, em língua portuguesa, quando o assunto é Beatles.
Com vocês, os 22 livros, em português, indispensáveis na biblioteca de qualquer fã dos Beatles
Na noite de 9 de dezembro de 1980, o apresentador do Jornal Nacional, Cid Moreira, arrematou a triste reportagem especial sobre o assassinato de John Lennon na noite anterior, ressaltando que o músico havia escrito Yesterday, dentre outros hits dos Beatles. Esse pequeno lapso nunca me saiu da mente. É claro que Paul McCartney não assistiu a essa edição do JN (nem nenhuma outra, provavelmente). A declaração do apresentador, no entanto, é só um pequeno exemplo, dentre milhões ao redor do mundo, de uma noção que certamente vinha irritando McCartney desde a separação dos Beatles e se intensificou com a morte de Lennon: a de que John parecia ter sido o líder, o gênio, a força criativa e intelectual atrás dos Beatles e de suas canções. Os demais? Apenas a banda de John...
Só é possível entender algumas atitudes de Paul McCartney principalmente nos anos 70, 80 e 90, a partir dessa perspectiva. A de um músico que, acusado de ter acabado com os Beatles, também teve que se contentar em viver à sombra de Lennon. A tentativa, nos anos dos Wings, de se afastar dos Beatles e de seu repertório (exceção feita a partir do momento em que começou a incorporar canções reconhecidamente escritas por ele nos shows de sua nova banda, como Yesterday, Let It Be e The Long and Winding Road), foi cedendo lugar a um revisionismo mais franco e escancarado. Dos anos 90 pra frente, Paul McCartney tem viajado o mundo incansavelmente, numa cruzada em que se mostrou decidido a provar a importância de seu legado dentro dos Beatles.
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| Paul na época do Wings |
Boa parte da polêmica causada com o lançamento de Many Years From Now reside nessa busca pelo revisionismo que, pelo jeito, na ótica de Paul, era mais necessário do que nunca, a partir da publicação da biografia de Lennon, escrita por Philip Norman. Considerada a única biografia oficial de McCartney, a sensação é de que o autor Barry Miles, um velho e grande amigo de Paul, escreveu o livro com essa incumbência específica: resgatar o verdadeiro papel de Paul nos Beatles. Há até uma tentativa, por parte de Paul, de estabelecer percentuais nas composições feitas entre ele e John. Isso levou Yoko Ono a ranger os dentes e afirmar que McCartney estaria para Lennon como Salieri esteve para Mozart.
O fato é que se trata de um livro fantástico. Principalmente quando esmiuça a fase em que Paul passou a morar em Londres, no auge da fama dos Beatles, e começou a circular no mundo da moda e da arte de vanguarda (literatura, música, pintura, tudo), principalmente por meio do amigo e dono de uma galeria de arte John Dunbar, além do próprio Miles.
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| McCartney e Barry Miles durante os anos 60 |
Foi a exploração da arte de vanguarda, através da música concreta de Pierre Schaeffert e o trabalho de gente como Stockhausen e John Cage que abriu caminho para as experimentações sonoras que iriam culminar com discos como Revolver e Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band.
Miles gravou entrevistas com Paul McCartney entre 1991 e 1996 (mais de 30, segundo ele) e o resultado é um profundo mergulho na personalidade e genialidade criativa de um dos maiores músicos de nossa era.
Único real defeito do livro: toda a extraordinária vida, e carreira, de Paul McCartney após a separação dos Beatles ficou resumida a um Posfácio de 25 páginas. Uma pena mesmo. No entanto, o detalhado e aprofundado relato acerca dos anos de Paul na Swinging London, que se revelam a partir das próprias análises de Paul feitas nas conversas com o amigo Miles, valem demais a leitura de "Many Years From Now" e amenizam alguns dos pecados do livro.
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| Barry Miles |
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