Os Beatles muito além de "Let it Be" (Entrevista com Ricardo Pugialli)





Biólogo por formação, beatlemaníaco por convicção. Podemos creditar a Ricardo Pugialli o título de maior escritor brasileiro sobre a trajetória dos FabFour antes, durante e a partir de agora, também após os "The Beatles". Pesquisador desde 1980 da obra dos 4 garotos de Liverpool, Pugialli lançou em 1992 "Os Anos da Beatlemania". Em 2008 alcançou reconhecido sucesso com o lançamento do livro "Beatlemania" e agora, 11 anos depois, volta para contar em "The Beatles 1970-80" o que o próprio considera como uma continuação natural do primeiro livro. O Beatlelogias teve o prazer de conversar com Ricardo sobre a influência dos "Beatles" nas gerações atuais, a carreira dos quatro além da banda e muito mais.  Com a palavra, o próprio!

por Alysson Almeida e Leko Soares

Beatlelogias - O seu livro 'Beatlemania' de 2008, teve prefácio de Sir George Martin. Como foi que se deu o contato entre vocês? Teve alguma coisa a ver com a sua participação na produção do concerto do maestro na Quinta da Boa Vista, em 1992?
Ricardo Pugialli:  O concerto do Projeto Aquarius foi em Outubro de 1993. No ano anterior, agosto de 1992, eu conheci George Martin quando estava em Londres, enviado pela EMI Brasil para entrevistas com personalidades do mundo Beatle, que serviriam para fechar o texto do livro de um projeto que apresentei para uma editora e depois para a gravadora, trazendo outro colecionador como coautor. Das conversas com George Martin surgiu a ideia dele no Projeto Aquarius, do qual fui consultor. Quando ele veio ao Brasil em 1993, com sua família, acabamos ficando amigos. Nos encontramos duas vezes em Londres ao longo dos anos 2000 e, em 2008, eu pedi se ele poderia fazer o prefácio do primeiro livro desta série, o “Beatlemania”. Ele enviou uma bela mensagem, que significou muito para mim.



B - Qual é a sua opinião sobre as colaborações dos Beatles nos álbuns solo uns dos outros? Que, creio eu, sejam abordadas no seu novo livro Beatles 1970-1980.
R. P.: Eles tocavam juntos desde 1959. Com Ringo desde 1962. Sempre colaboravam nas músicas um do outro. Natural continuarem a fazê-lo. Com Paul é que foi complicado até 1973, por razões óbvias do processo que ele teve que mover contra os outros três. Mas que logo mostrou-se correto e todos estavam “livres”. Desde 1970 John e Ringo gravaram juntos, assim como George com John e Ringo. E os três em 1973, no LP de Ringo. Paul também participou, mas apenas com Ringo. Havia empatia entre eles. John e Paul iam compor e gravar juntos em Nova Orleans em 1975, no que se tornou o disco “Venus And Mars” mas, o destino encarregou-se de impedir. Todos encontravam-se constantemente nos Estados Unidos, fosse em Los Angeles, fosse em Nova Iorque. Até o fatídico ano de 1980. Tudo é descrito com detalhes em meu novo livro.





B - O seu conhecimento sobre a Jovem Guarda é público e notório, como pode ser visto no seu livro "Almanaque da Jovem Guarda", de 2006, e no documentário "No Embalo da Jovem Guarda", que você coproduziu. Sendo-lhe tão próximo esse movimento brasileiro, o que você acha das versões em português das músicas dos Beatles desse período? E, qual foi a importância delas em apresentar os Beatles para o público brasileiro?
R.P.: Antes do “Almanaque” eu lancei, em 1999, o “No Embalo da Jovem Guarda”, pela antiga editora da Lizzie Bravo, minha querida amiga que gravou backings em “Across The Universe”, em 1968. Este livro é bastante contextualizador, um “acerto de contas” entre a Jovem Guarda e a recente História do Brasil. As versões eram exatamente a expressão dos sentimentos dos jovens artistas brasileiros, sua realidade, suas paixões, inspirados pelas melodias dos Beatles, já que muitas vezes as letras das versões não tinham nada a ver com as letras originais. Mas aproximou o universo Beatle de muitos jovens que não tinham acesso aos discos originais.

B – Como escritor imerso e atuante no universo Beatles no Brasil, como você analisa a estrutura e o funcionamento da cena Beatlemaníaca por aqui?
R.P.: É um assunto delicado. Temos várias camadas de admiradores de Beatles. Aqueles que apenas curtem as músicas, admiram o grupo, mas sem se apegarem ao colecionismo sério. São aqueles que mais dedico atenção com meus livros. Outros que além de curtir as músicas procuram ler sobre o grupo, saber mais de sua história, dos discos. Também consigo atender às suas expectativas de informações. Um terceiro grupo já é mais aficionado, coleciona discos de vinil, CDs, compra livros, conhece bem a história da banda. Meus livros complementam suas bibliotecas. Um quarto grupo é o dos colecionadores audiófilos, que realmente conhecem os detalhes musicais da banda, seus discos, diferenças e nuances. São amigos com quem troco muitas informações e aprendo coisas novas. O último grupo, muito pequeno, insignificante, é o dos que se acham donos de tudo relacionado aos Beatles no Brasil, os únicos que podem proferir “a verdade”. Gurus, se quisermos colocar assim. Pobre Beatles, foram enganados por um Guru. Imagine os admiradores incautos. Meus livros não são para eles.


B - Você acha que o fenômeno nostálgico que vivenciamos, em que o consumo de produtos culturais relacionados a décadas anteriores está cada vez maior, pode ser um dos fatores que impulsionam o crescente interesse na obra dos Beatles nos últimos anos? A que você creditaria esse fenômeno?
R.P.: Isto na verdade é uma volta a valores que estão perdidos hoje em dia. Não existe mais aquele clima dos anos 1960, 1970, de descobertas, inovações, explosão cultural, musical. Na verdade, buscamos a volta à esta essência, quando éramos felizes, inocentes sem sermos ingênuos, onde amizade, amor, boa música e respeito eram a “moda”. Os Beatles sintetizam tudo isso com suas músicas atemporais, sempre “para cima”, mesmo quando falavam de temas sérios e tristes. Eles conseguem a atenção de crianças dos anos 2010! Isto é incrível.


B – Ainda dentro desse conceito de retorno da Beatlemania, você acredita que exista alguma relação entre a facilidade atual de acesso à obra dos Beatles a esse aumento de convertidos aos FabFour? Quais seriam os prós e contras dessa acessibilidade?
R.P.: Não vejo um retorno, pois os Beatles sempre estiveram aí, sempre nas paradas. Na verdade, a nova leva de fãs descobre os Beatles por sua qualidade, por sua sonoridade atual, pela diferença em relação ao que se faz. Ou que se tenta copiar deles. Os relançamentos do catálogo dos Beatles, com vários formatos, visa atingir a todas as camadas de fãs, novos e antigos.


B – Voltando para a temática do seu último livro, uma pergunta básica: Deixando de lado por razões óbvias os critérios de quantidade de álbuns lançados e longevidade , qual das quatro carreiras solo você acredita ter sido mais relevante e que terá um legado mais duradouro nas próximas décadas?
R.P.: Comercialmente não se pode negar, Paul. Ele veio de um começo muito combatido por não soar como os Beatles mas deu a volta por cima, montou outra banda e estourou nas paradas. De onde não sai mais. Assim como não sai dos palcos até hoje. John vem em seguida mais pelo icônico disco “Imagine”, suas ideias políticas e depois sua volta madura. E, com sua morte, virou lenda maior do que já era em vida. George tem uma força imensa pela qualidade dos trabalhos iniciais, as colaborações e seu comportamento. Igualmente uma lenda após seu falecimento. E Ringo sempre manteve todos juntos, dois ou três sempre com ele. E fez dois excelentes discos que o colocam em um pódio. E continua na ativa! Acho que defini bem as quatro faces do sucesso. Os quatro ficarão para sempre!


B – Recentemente fui ao show do Paul em São Paulo e algo que pude notar é que a grande maioria da audiência desconhecia muitas das canções clássicas da carreira solo do Paul ou mesmo do “Wings”. Estavam lá pelos Beatles. Essa realidade se reproduz no mundo inteiro ou o legado do Paul enquanto artista solo é mais reconhecido fora daqui?
R.: Estranho isso, pois em shows passados, bastava uma música do Wings tocar para a plateia vir abaixo. A mídia tem muita culpa nisso, pois direciona para onde quer. A sorte é que o público dos Beatles segue a música deles, juntos ou separados. Por isso são atemporais e eternos.

B – Gostaria de falar um pouco sobre a carreira do Ringo. Eu particularmente adoro álbuns como “Ringo” de 1973, “Goodnight Viena” (1974) “Vertical Man” (1998) e “Liverpool 8” (2008). Como você analisa a trajetória solo do Ringo até aqui? O fato de ele não ter a força de lotar arenas como o Paul tem feito com tanta facilidade teria origem na estimagtização do Starkey como um artista inferior aos outros 3?
R.P.: Não dá para esperarmos arenas lotadas pela diferença do catálogo, em termos numéricos, pois garante uma enorme vantagem para Paul. Mas, se você imaginar que Ringo excursiona desde 1989 pelos Estados Unidos, Europa e Ásia, além de algumas vindas na América do Sul, é inegável que o carisma do baterista da banda é enorme! Quantos bateristas de bandas icônicas fazem isso? Só conheço dois: Phil Collins e David Grohl. Ringo é o cara! É o nosso irmão mais velho!




B – Sobre a carreira do John, quanto você credita à contribuição de Yoko na construção dos álbuns solo? Ela foi essencial para o amadurecimento de John enquanto compositor Pop nos anos 70, como recentes narrativas de documentários e publicações tentam nos passar?
R.: Eu acho que ela levou John a “lugares” que ele não iria em sua carreira solo. Tirando “Imagine”, os discos com ela foram densos, pesados, sofridos, quase anticomerciais. Não que sejam ruins, pois “Plastic Ono Band” é icônico e “Mind Games” rico em melodias. Porém, mal produzido por um John em processo de separação. Quando trabalhou “solteiro” fez um belo disco (“Walls And Bridges”), curtiu seu “Rock’n’Roll”, voltou a “ser pai de Julian”, flertou com as paradas e ia compor e gravar com Paul. Quanto a esta importância dela no processo de composição, eu sempre desconfio quando as coisas são ditas depois da morte das pessoas. Já inventaram tanta mentira sobre John e já falaram mal de George, mas depois de sua morte, claro.


B – O espaço final deixo aqui para você divulgar seu trabalho e explicar para os leitores do Beatlelogias onde adquirir mais facilmente o novo livro e suas outras publicações.
R.: Sou um Biólogo por formação, mas amante dos Beatles desde criança (1968). Busco sempre trazer as informações que não tive quando comecei a curtir a banda. Pesquisa séria, fontes confiáveis, vasta bibliografia e um pouco da experiência como colecionador (desde 1973), e pesquisador (desde 1985). Meu livro mais recente, “The Beatles 1970 – 1980”, traz a carreira dos Beatles durante os anos 1970 até o fatídico ano de 1980. Tem prefácio do “Tremendão” Erasmo Carlos e muita informação nova para muitos leitores. É a continuação de meu “Beatlemania”, que contou a história dos Beatles até 1970 e tinha prefácio do produtor dos Beatles, Sir George Martin. Foi lançado em 2008 e esgotou-se em 2012. Quem tem o primeiro precisa ler a continuação. O livro pode ser comprado em meu site, via PagSeguro: www.beatlemania.net.br/books.php

Pra finalizar a matéria com chave de ouro, criamos uma Playlist colaborativa entre Ricardo Pugialli, e os redatores da matéria, Alysson Almeida e Leko Soares, com sugestões de 15 músicas da carreira solos de John, Paul, George e Ringo.

É só dar play e curtir nossa seleção!








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