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Por Alysson Almeida
Imagine-se em um barco em um rio, com árvores de tangerina e céus de marmelada... Cantava John Lennon na proposta lisérgica de Lucy in the Sky With Diamonds. Seria a viagem perfeita! Mas, tente se imaginar dentro do estúdio de Abbey Road dividindo os microfones com os Fab Four no clássico Across the Universe... seria um sonho! E para nos contar como foi realizar esse sonho, a brasileira Elizabeth ‘Lizzie’ Bravo, atendeu o Beatlelogias trazendo histórias da sua estadia na pulsante Londres nos anos 1960, da proximidade diária com os rapazes de Liverpool, de “Do Rio a Abbey Road”, seu livro que já vai para a segunda edição, e como é ser a única brasileira a gravar com os Beatles. Words are flowing out like endless rain into a paper cup...
Beatlelogias - Chegando em Londres em 1967, no
boom da cultura da psicodelia, com todas as mudanças comportamentais e sociais
da época, como foi para uma menina do Rio de Janeiro viver na Swinging London
dos anos 60?
Lizzie Bravo: Aos 15 anos, confesso que não
pensava nisso. Hoje vejo que naquele momento Londres era o centro do mundo para
música, moda, etc. e realmente foi um privilégio estar lá.
B - Hoje, com toda obra dos
Beatles em mãos é muito fácil perceber as mudanças, tanto no visual quanto na
forma de compor, pelas quais eles passaram pós 1965. Parecem ser duas bandas
distintas. Você acompanhou in loco
essa transição para a maturidade dos Fab Four. Quais foram as suas impressões?
Como o abandono dos palcos e do Yeah-Yeah-Yeah
repercutiram nos fãs daquela época?
LB - Os Beatles não se apresentavam
ao vivo desde o final de 1966, portanto eu não tinha chegado ainda, mas nunca
ouvi nenhum fã local reclamar da falta de shows, principalmente porque podíamos
vê-los tão de perto quase que diariamente... Quanto ao visual, quando cheguei
eles já estavam de bigodes e com o estilo Sgt. Pepper. Acompanhei as mudanças
aqui do Brasil, pois cada disco dos Beatles era uma surpresa. O Sgt. Pepper foi
lançado em junho de 67 – mas eu comprei o meu no dia 25 de maio, bem antes da
data oficial. Esse sim, foi um choque pros meus sentidos – mas adorei e ouvia o
tempo todo.
B - De fã para fã, é possível
descrever a sensação de estar dentro do estúdio em Abbey Road gravando com os
Beatles? Quantos dias demorou para a 'ficha cair'?
LB - Talvez a ficha não tenha caído
de verdade até hoje... Só foi mais “normal” porque eu estava acostumada a
vê-los quase todos os dias e tanto Gayleen quanto eu ficamos numa boa,
tranquilas, curtindo a companhia deles, as piadas, os momentos de descontração
entre eles. Eles foram muito atenciosos com a gente.
B - Se fosse hoje, que todo
mundo tira foto de tudo com smartphones,
fazem selfies e lives, certamente vocês teriam se esbaldado. Você tem algum
registro em fotografia da sua sessão de gravação?
LB - Não. Tem uma única foto do
John que uma amiga tirou quando ele estava saindo. Eu estava com minha máquina
de plástico, cópia de Instamatic comprada na drogaria Boots, mas... o Mal Evans
(roadie) estava com uma máquina poderosa, 35mm, e tirou muitas, muitas fotos,
inclusive closes de Gayleen e eu com John e Paul, e achei que essas fotos
seriam tão superiores às minhas que não me preocupei. O que acontece é que as
fotos não saíram, e eu tenho uma carta da NEMS assinada pelo Tony Barrow me
explicando isso. O que imagino, na minha experiência como fotógrafa, é que ele
não colocou o filme na máquina da forma correta, e foi clicando e avançando o
mesmo mas na verdade ele não saiu do lugar. Isso aconteceu uma vez comigo, logo
que comprei minha primeira 35mm. Mas... tem filminhos de muitos momentos
gravados na minha cabeça!
B - Obviamente, você sabia que havia participado de algo muito especial. Mas, você já tinha, naquela época, a noção de que estava participando do 'canto dos cisnes' dos Beatles?
B - Obviamente, você sabia que havia participado de algo muito especial. Mas, você já tinha, naquela época, a noção de que estava participando do 'canto dos cisnes' dos Beatles?
LB - Gayleen tinha 17 anos e eu 16,
lembrando que naquela época meninas dessa idade eram bem ingênuas – ou pelo
menos nós éramos! Nos sentimos felizes de estar do lado de dentro dos estúdios
em vez do nosso costumeiro do lado de fora, mas não ficamos pensando no que
estava acontecendo, só curtindo o momento. E o canto dos cisnes dos Beatles ainda
demorou um tempo...

LB - Eu custei a ouvir, pois tinha
voltado pro Rio no final de 1969. O pequeno grupo de fãs que se auto-intitulou
Apple Scruffs, do qual faço parte, foi homenageado com essa linda música, com
uma letra muito carinhosa. Três das meninas ficaram o tempo todo do lado de
fora dos estúdios enquanto ele gravava seu disco, e foi basicamente para elas e
o resto do nosso grupinho que ela foi feita. As meninas não sabiam de nada, um
dia ele as convidou para entrar no estúdio e ouvir a música já pronta. Ficamos,
todas, muito emocionadas.
B - Após o término dos Beatles, você teve algum contato com algum deles? Nos shows que Paul e Ringo fizeram no Brasil, por exemplo, você teve algum tipo de acesso à eles?
LB - Estive com Paul em
Indianapolis, USA, numa coletiva para a imprensa brasileira, anunciando sua
vinda ao Maracanã. No final da coletiva, ele apertou minha mão e me perguntou
porque se lembrava de mim. Eu disse que porque cantamos no mesmo microfone e
ele lembrou de tudo na hora. Foi muito legal esse encontro. 14 de fevereiro de
1990. Lembrando que a primeira vez que o vi, e os outros Beatles, Mal Evans e
Brian Epstein foi dia 14 de fevereiro de 1967! Vi o George brevemente depois do
seu show no Royal Albert Hall em 1992, onde fui convidada pela produção do
Maharishi. Apertei sua mão e agradeci pelo show maravilhoso. Foi muito breve. E
o Ringo eu vi num Grammy (não lembro se em Los Angeles ou Nova York) que eu
estava com meu querido amigo, padrinho de casamento e então chefe Milton (Bituca
pra mim...) Nascimento. Ringo estava exatamente do nosso lado conversando com
um amigo. Assim que acabou, cheguei perto e o cumprimentei, mas também foi
muito, muito breve. Nas vindas do Paul ao Brasil, desde aquele dia em 1990
quando ele me perguntou se eu ia ao Brasil para o seu show (eu morei dez anos
em Nova York, de 84 a 94) e eu disse que sim, ele falou “see you there”(te vejo
lá) e eu NUNCA MAIS consegui chegar perto dele. Até já desisti de tentar. Não
tentei encontrar o Ringo no Rio, não conheço ninguém da produção local dele.
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The Beatles Monthly Book |
B - No seu livro “Do Rio a Abbey Road”, o escritor inglês Mark Lewisohn diz na apresentação:
"Quando eu tinha 9 anos, eu queria ser Lizzie Bravo", ao saber pela revistinha The Beatles Monthly Book que você havia
sido convidada para gravar com eles. Você tem dimensão da sua importância para
os fãs dos Beatles, principalmente para os brasileiros?
LB - Espero que os brasileiros
tenham orgulho de eu ter deixado uma gotinha de Brasil na história dos
Beatles... Sempre me correspondi com fãs do mundo inteiro, desde antes de ir
pra Londres. Claro que foi uma coisa muito especial Gayleen e eu gravando com
nossos “meninos”, e o carinho que recebo de todos é, sem dúvida, muito especial
pra mim.
B - Falando do seu livro, ele
ainda está disponível? Como os fãs podem adquirir “Do Rio a Abbey Road”?
LB - Meu livro totalmente
independente esgotou em setembro de 2017. Uma segunda edição ficará pronta nos
próximos meses, (está em pré-venda até
dia 05/02) e a edição em inglês, que eu já traduzi, para mais adiante no
ano. Os detalhes serão divulgados no Facebook, Instagram, Twitter e no meu
site, www.lizziebravo.com
B - As 'Apple Scruffs' eram
um 'clube da Luluzinha', ou havia
garotos também? E, você ainda mantém contato com alguma delas?
LB - O grupo se formou no segundo
semestre de 1969. Eu voltei pro Rio no final de outubro. Na minha época, tinha
o querido amigo Tommy, falecido há muitos anos. Ouvi dizer que teve mais um
rapaz, mas não o conheci. Sim, mantenho contato com várias das Scruffs, e
quando vou a Londres sempre nos encontramos.
B - Durante a pesquisa para
essa entrevista, descobrimos que você manteve um fã clube e fanzine chamado Hello Goodbye por alguns anos. Seria muito
legal se você transformasse o Hello
Goodbye em um canal do YouTube.
Você já pensou nessa possibilidade?
LB - Sim, o Hello Goodbye foi da época dos eventos do mesmo nome criados pelo
meu querido amigo Luiz “Lula” Tiribás, recentemente falecido. Eram exibições de
vídeos que na época eram totalmente desconhecidos no Brasil. Fazíamos um
jornalzinho totalmente manual, com artigos datilografados, fotos coladas, tudo
copiado em xerox. Sinceramente, no momento não penso em fazer canal no YouTube.
B - Abbey Road foi elencado no topo da lista dos LPs mais vendidos da
última década. O que você acha que mantém os Beatles ainda relevantes para essa
galera mais jovem, que ouve música por streaming?
LB - A qualidade da música dos
Beatles os manterá eternos.
‘Jai guru deva, Om...’
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